Mesmo sem as regras definidas, a iniciativa privada parece despertar para o trabalho preventivo contra práticas fraudulentas
Roberto Dumke
SÃO PAULO – Aprovada logo após os protestos de junho do ano passado e vigente desde janeiro, a Lei Anticorrupção continua sem regulamentação. Ainda faltam definições sobre qual a estrutura preventiva esperada das empresas e quais órgãos terão poder de investigação.
A Lei 12.846/2013 trouxe uma quebra de paradigma porque é a primeira a responsabilizar as empresas pelas práticas ilícitas, com multa de até 20% do faturamento bruto ou até fechamento da empresa. Até então, a legislação punia quase que exclusivamente as pessoas físicas.
Os efeitos da corrupção / Foto: DCI |
Apesar de vigente há quase nove meses, desde 29 de janeiro, a regulamentação da lei parece estar travada na Casa Civil. As regras já teriam sido aprovadas pelo Ministério da Justiça e pela Controladoria Geral da União (CGU).
Essas regras, segundo o advogado Raphael Zaroni, devem trazer parâmetros para orientar os programas de prevenção à corrupção criados pelas empresas. A definição minuciosa desses programas é importante porque influencia na redução de eventuais punições.
O sétimo artigo da lei indica que será levada em consideração a “existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”.
Nesse sentido, o diretor da área de Serviços Forenses da KPMG no Brasil, Claudio Peixto, avalia que a lei dá a entender que a estrutura de compliance será levada em consideração. “Mas a lei não diz qual é a estrutura. Não diz quais os critérios”. Ele acrescenta que a lei menciona dois mecanismos, o código e ética e o canal de denúncia. “Agora, isso é suficiente? Acredito que não.” Para Peixoto, a experiência internacional mostra que há uma série de etapas, como a avaliação dos riscos internos e de terceiros, além de treinamento de funcionários e investigações.
Em relação ao treinamento, Peixoto afirma que é necessário explicar qual é a conduta esperada dos funcionários. No senso comum, segundo ele, corrupção é dar dinheiro para políticos, ou superfaturar uma obra. “Às vezes o colaborador acha que não é corrupção dar agrado para um despachante acelerar um processo. Mas isso é corrupção sim”, disse.
Outro ponto pendente de regulamentação se refere às responsabilidades de cada órgão público, como as controladorias dos âmbitos municipal, estadual e federal, ou ainda o Ministério Público (MP). “O impacto disso é que o empresário que quiser fazer um acordo não sabe a quem procurar. Mas isso não impede o cumprimento da lei”, diz Peixoto.
Mesmo sem regulamentação ou caso julgado, a Lei Anticorrupção já promoveu mudanças de procedimento no meio empresarial. O doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP) e também promotor de Justiça do estado, Roberto Livianu, conta que além de produzir julgamentos, a lei procura estimular a prevenção da corrupção. “Já se percebe movimentação no segmento empresarial no sentido de criarem departamentos de compliance”, observa ele.
Para Livianu, apesar dos avanços visíveis na prevenção, a lei deve ganhar destaque na medida em que surgirem casos grandes. “De todo modo, o fato de empresas estarem se estruturando é um bom produto.”
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